A VERDADEIRA HISTÓRIA
DA CRIAÇÃO DA
LUTA
REGIONAL BAHIANA DO MESTRE BIMBA:
Esdras Magalhães dos Santos –
Mestre Damião
Tenho comparecido
a algumas exibições e encontros de Capoeira e, em contato com alguns capoeiristas,
sempre ouço um comentário de que a Luta Regional do Mestre Bimba teve
a sua origem influenciada pelo método do antigo e ilustre capoeirista
do Rio de Janeiro ANNIBAL BURLAMAQUI (ZUMA).
Intrigado com a referida informação, passei a investigá-la
incessantemente. Por sorte, chegou-me às mãos a Revista MUNDO CAPOEIRA Nº.
1, ANO I, maio de 1999. Nela, como se pode verificar no ANEXO 1 ao
presente trabalho, encontra-se uma entrevista atribuída ao Professor Sérgio
Luiz de Souza Vieira, Presidente da Confederação Brasileira de Capoeira,
sob o título “NEM SÓ DE BIMBA É A REGIONAL”.
No texto da referida entrevista estão contidas inverdades e
considerações absurdas que desejo refutar, na qualidade de antigo aluno
do Mestre Bimba, na década de 1940 (46, 47 e 48), tendo com ele convivido
bem de perto e como tal me familiarizado com a estória e história da
criação de sua Luta Regional.
Assim sendo, irei comentar as referidas invencionices assacadas
contra a memória de MANOEL DOS REIS MACHADO (Mestre Bimba), na ordem em
que se segue:
PRIMEIRA:
“O capoeirista recebeu outras
influências. Aprendeu uma nova forma de fazer Capoeira, de modo já
desportivo, entre o final dos anos 20 e o começo da década de 1930, no
Rio de Janeiro, com o capoeirista ANNIBAL BURLAMAQUI, conhecido como ZUMA.”
COMENTÁRIO:
A informação supra é uma tremenda inverdade. Mestre Bimba jamais
esteve no Rio de Janeiro nas épocas citadas. Ele saiu da Bahia pela
primeira vez em janeiro de 1949, trazido para São Paulo por mim, Garrido,
Perez e o cantor paulista Batista de Souza, a fim de realizar exibições
em São Paulo, conforme explicitado no livro “Conversando sobre
Capoeira”, de minha autoria.
Retornou para Salvador-Bahia na primeira quinzena de fevereiro de
1949, de lá saindo a partir da década de 1950 para um simpósio e
apresentações no Rio de Janeiro e outros Estados.
SEGUNDA:
“Quem ler o livro de ANNIBAL
BURLAMAQUI vai encontrar nele a base da Capoeira Regional praticada hoje:
rasteira, rabo de arraia, cabeçada, banda de frente, tesoura, suicídio e
queixada, entre outros golpes, já estavam lá, muito bem explicados.”
COMENTÁRIO:
Tais declarações são de uma pobreza histórica e de uma
leviandade sem limites. Quem conhece a história da Capoeira Regional sabe
muito bem que ela é oriunda da antiga Capoeira Angola, também chamada
por alguns historiadores de “Capoeira Mãe”.
Mestre Bimba, em entrevista ao jornal “A TARDE”, de Salvador,
edição de 16 de março de 1936 (vide ANEXO 3), declara que começou a
ensinar Capoeira desde 1918, e ato contínuo explicita para a posteridade
como criou a sua Luta Regional. Bimba foi o melhor angoleiro de seu tempo.
Já como Mestre de sua Regional, desafiou e venceu todos os adversários
que se apresentaram para disputar com ele o título de Campeão de
Capoeira, no antigo Parque Odeon, em Salvador, conforme registraram os
jornais da época constantes dos Anexos 2 e 3 deste trabalho.
Pediria ao leitor que, por intermédio do texto e das figuras que
seguem logo abaixo, analisasse pelo método comparativo a SEGUNDA
invencionice, constante do parágrafo em negrito logo acima,
no que tange à “acentuada semelhança entre os golpes da Capoeira Regional
do Mestre Bimba e os da capoeiragem do Mestre Annibal Burlamaqui”.
[Transcrevemos
a seguir partes do
método de Burlamaqui, preservando a forma gramatical da época.]
MÉTODO
DE BURLAMAQUI
A
RASTEIRA:
O jogador da capoeiragem póde dar a
rasteira em pé ou descahido (quasi deitado). Dando este golpe descahido
pode-se também dar á este golpe o nome de corta-capim.
Para se chamar uma rasteira verdadeira
é preciso que seja dada em pé, isto é, que o jogador esteja rijo,
firme.
No entretanto, é muito commum, ainda,
entre nós, um bom capoeira abaixar-se e, apoiando-se nas mãos (á guiza
de corta-capim) e no pé esquerdo ou direito, arrastar célere o pé
direito (é conforme o pé que se apóia) estendido; naturalmente o
contendor se fôr pouco esperto tomba a fio de comprido.
O
CORTA-CAPIM:
O corta-capim é um golpe sympathico
pelo seu estylo, pois é dado de uma fórma toda especial.
Abaixa-se o corpo repentinamente (ou na
perna direita ou esquerda, conforme o treno individual do jogador),
e
esticando-se a perna não apoiada faz-se com que esta gyre violentamente.
Este golpe quasi sempre é dado n’uma
luta desegual, isto é, de um homem contra diversos.
A
BANDA DE FRENTE:
É uma segunda rasteira, porém é dada
sendo ajudada com o joelho da perna com que se dá a rasteira, isto é, o
joelho empurra naturalmente as pernas adversárias, pegando-as pela
frente.
OBSERVAÇÕES DO AUTOR
DESTE TRABALHO (MESTRE DAMIÃO):
1.
Não existe no Método (Burlamaqui) foto do golpe supracitado;
2.
Na Luta Regional Bahiana não existe golpe parecido com a “banda
de frente” acima descrita;
3.
Achando-se com pouca nitidez as fotos do Método de Burlamaqui em
meu poder, foram substituídas no texto que segue e na transcrição
do anexo 5 deste trabalho por desenhos das mesmas, constantes da publicação
“Subsídios para o Estudo da Metodologia do Treinamento da Capoeiragem”,
edição de 1945, Imprensa Nacional, da autoria de Inezil Penna Marinho,
editada pelo Ministério da Educação e Saúde.
MÉTODO
DE BURLAMAQUI – CONTINUAÇÃO
O
RAPA:
Rasteira dada pegando-se a guiza de
rapagem nos calcanhares, isto é, no lado de fóra do
pé
do adversário (pé direito ou esquerdo).
CAPOEIRA
REGIONAL (MESTRE BIMBA) – COMPARAÇÃO
RASTEIRA DEITADA E EM PÉ:
RASTEIRA:
Comece gingando. Caindo para trás, apóie-se no solo com as mãos e
procure derrubar o adversário, arrastando-o violentamente, com a perna
bem estirada.
BANDA
TRAÇADA: Procure dar uma pancada com a coxa na perna do seu oponente,
desequilibrando-o, para em seguida arrasta-lo com a mesma perna
(RASTEIRA). Ele se defende com o ROLÊ ou SAÍDA-DE-AÚ.
MÉTODO
DE BURLAMAQUI – CONTINUAÇÃO
O
RABO DE ARRAIA:
Este golpe é um dos mais perigosos,
tanto para o jogador que o pratica, como para o que o recebe, porém,
sendo bem dado, é de uma fatal consequencia para aquelle que o recebe.
O capoeira dará o rabo de arraia pondo
as palmas das mãos no chão e, dando apparentemente um salto mortal, fará
com que as plantas dos pés toquem no peito ou no rosto ou n’outra parte
escolhida pelo jogador e resulta sempre o adversário cahir para traz.
O rabo de arraia tem diversos modos de
se executar. Para pratical-o com precisão é preciso conhecer um pouco
(pelo menos) de saltos, pois depende do salto e da ligeireza este golpe.
(I) Com as duas pernas de frente – O jogador “peneirando”
(...) ameaça rapido e, apoiando com rapidez as duas mãos no chão, bate
com os dois pés no rosto ou no peito do adversário.
Foi com este golpe que o nosso Cyriaco
venceu o japonez com o jiu-jitsu, e assim tivemos a supremacia no jogo.
(II) Com uma perna de lado – Este
golpe é bello pelo seu estylo, pois depende somente de intelligencia.
Dá-se ao adversário um dos pés
(direito ou esquerdo); chama-se golpe de tapiação e depois delle
segural-o, gyra-se de modo que as mãos se firmem no chão, e o outro pé
bata horrivelmente no adversário, no rosto ou nos ouvidos.
Este golpe é quasi sempre certo e de bôas
consequencias.
CAPOEIRA
REGIONAL (MESTRE BIMBA) – COMPARAÇÃO
MEIA-LUA-DE-COMPASSO
OU RABO-DE-ARRAIA:
QUEDA-DE-COCORINHA
(DEFESA):
Comece gingando. Coloque as duas mãos
no chão, levante uma perna bem estirada, gire completamente o corpo,
tentando atingir o adversário na cabeça, com o pé. Este se defende com
a queda-de-cocorinha.
O exercício deve ser praticado 4
vezes, com ambas as pernas.
MÉTODO
DE BURLAMAQUI – CONTINUAÇÃO
A
CABEÇADA:
A cabeçada é dada muito simplesmente.
Aproximando-se do adversário e
abaixando-se repentinamente faz-se com que a cabeça bata ou na parte
inferior dos queixos ou no peito, na barriga ou ainda no rosto.
Este golpe é um segundo rabo de arraia
pelas suas consequencias porque, sendo bem dado, é demasiadamente
terrivel para quem o leva.
CAPOEIRA
REGIONAL (MESTRE BIMBA) – COMPARAÇÃO
A
CABEÇADA:
Este golpe é uma verdadeira
“marrada” desferida com violentíssimo impulso no meio da cara ou no
peito do indivíduo. Sua aplicação requer muita malícia. O golpe em
causa já existia desde a Capoeira primitiva (Angola).
MÉTODO
DE BURLAMAQUI – CONTINUAÇÃO
A
THESOURA:
É dada (o que vae dar a thesoura
joga-se ao chão com a barriga para baixo ou para cima), cruzando ao mesmo
tempo as pernas com as do adversário e, virando-as violentamente, faz com
que o adversário caia para o lado esquerdo ou direito.
CAPOEIRA
REGIONAL (MESTRE BIMBA) – COMPARAÇÃO
A
TESOURA:
A tesoura já existia desde quando
Mestre Bimba praticava a Capoeira Angola. Com a criação da Regional ele
instituiu a tesoura aberta (de costas) e posteriormente a de frente e a de
lado. Note que nenhuma das pernas de quem aplica o golpe é introduzida
entre as pernas do adversário.
MÉTODO
DE BURLAMAQUI – CONTINUAÇÃO
O
SUICÍDIO:
Avança-se peneirando, e rapido
descai-se o corpo, fazendo com que os pés, curvos, rentes ao chão,
mettam-se entre os pés do inimigo e, num brusco empurrão de pernas,
faz-se com que o inimigo tombe sobre o que ataca e, mais rapido ainda,
encolhe-se uma das pernas de maneira que o joelho anteponha-se entre os
dois que lutam.
(Este golpe é original e terrivel,
porque se o inimigo estiver armado de punhal ou faca suicida-se
infallivelmente.)
(Talvez faça mal em descrevel-o).
CAPOEIRA
REGIONAL (MESTRE BIMBA) – COMPARAÇÃO
O
SUICÍDIO:
O
suicídio é um golpe que só era ensinado no Curso de Especialização.
Ao derrubar um indivíduo, pula-se com a máxima força com os dois pés
em cima dele, procurando atingir o peito, a barriga ou a virilha. Trata-se
de um golpe violentíssimo e perverso.
MÉTODO
DE BURLAMAQUI – CONTINUAÇÃO
A
QUEIXADA:
Dá-se um passo à frente do adversário
e, (calculando sempre a distancia) suspendendo-se a perna com ligeireza,
(direita ou esquerda) faz-se com que o pé (direito ou esquerdo) bata no
queixo do adversário.
CAPOEIRA
REGIONAL (MESTRE BIMBA) – COMPARAÇÃO
QUEIXADA:
QUEDA-DE-COCORINHA
(DEFESA)
Consiste este golpe no levantamento
circular da perna, de dentro para fora (vide linha pontilhada),
objetivando atingir em cheio o queixo de uma pessoa com o pé. É
praticamente um tapa com o lado externo do pé.
COMENTÁRIO DO AUTOR (MESTRE DAMIÃO):
Ao familiarizar-se com a exposição
feita por intermédio do Método Comparativo, creio que o leitor agora tem
uma idéia completa sobre a diferença entre os golpes dos métodos de Capoeira
dos Mestres Burlamaqui e Bimba. Convenhamos que os golpes cabeçada e tesoura,
oriundos da Capoeira Angola, guardam uma certa semelhança, entretanto
possuem acentuada diferença na maneira de serem aplicados. Quanto aos
demais: rasteira, rabo de arraia, banda de frente, suicídio e queixada,
também citados na SEGUNDA invencionice (no começo deste trabalho),
em nada se parecem com os do método de Bimba.
SOBRE
A NOTA OFICIAL DA CONFEDERAÇÃO
BRASILEIRA
DE CAPOEIRA (ANEXO 4):
O que me deixou intrigado foi a forma
do desmentido sobre a referida entrevista feita pelo Prof. Sérgio Vieira,
em sua NOTA OFICIAL, supracitada.
No documento em causa, verifica-se que
ele nega peremptoriamente a autoria da entrevista como foi publicada,
acusando-a de conter infundadas e inverídicas afirmações, ao mesmo
tempo em que envia à Revista um telegrama (vide texto no rodapé de sua
NOTA OFICIAL – ANEXO 4), solicitando espaço para a retificação da matéria
publicada. Fato curioso, entretanto, é não haver o Prof. Sérgio
especificado em sua aludida Nota quais foram as infundadas e inverídicas
afirmações publicadas pela referida Revista. E mais, valendo-se de uma
entrevista do Mestre Bimba ao jornal Diário da Bahia, edição de 13 de
março de 1936 (ANEXO 2), faz, isso sim, afirmações inverídicas e análises
infundadas sobre as declarações abaixo especificadas, feitas pelo Mestre
Bimba ao referido jornal, cujos comentários sinto-me na obrigação de
fazer:
PRIMEIRA DECLARAÇÃO DE
BIMBA DE QUE TRATA A NOTA OFICIAL
(ANEXO 4):
“...Ao som do berimbau e
do pandeiro não podem medir forças dois capoeiristas que tentem a posse
de uma faixa de campeão, e isto se poderá constatar em outros centros
mais adiantados onde a Capoeira assume aspectos de sensação e cartaz.”
Em seguida, o Prof. Sérgio interpreta a seu modo o pensamento do
Mestre, colocando o seguinte entre parênteses: (Me. Bimba declara o não
uso do berimbau na luta e promove outras cidades mais adiantadas em
Capoeira no Brasil).
COMENTÁRIO:
O
Prof. Sérgio, ao fazer tais observações, demonstra o seu desejo
acendrado de tentar provar a todo custo a influência do método de
Burlamaqui sobre o de Bimba. E o que eu acabo de declarar pode ser
comprovado facilmente, ao lermos sua tese de mestrado apresentada à
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, fls. 83, onde ele, após
transcrever as declarações de Bimba acima citadas, faz também estas
observações: “Com isto podemos observar a grande influência de
Zuma (Burlamaqui) no início do trabalho de Mestre Bimba, principalmente
no que tange à não adoção de instrumentos musicais na competição de
capoeira da época, o que não era previsto na obra do citado autor, que
por sua vez tratava a capoeira como uma luta sem qualquer ritual.”
COMENTÁRIO:
Quem conheceu de perto como eu o Mestre
Bimba e também conviveu com o seu temperamento belicoso, sabe muito bem
que ele jamais admitiu o uso de instrumentos musicais em qualquer época
durante a realização de uma luta. Note-se que eu escrevi LUTA.
E isto se pode constatar por intermédio
das razões explicitadas em suas entrevistas nos jornais constantes dos
ANEXOS 2 e 3 deste trabalho. Destaca-se em especial o ANEXO 3 – “A
TARDE”, de Salvador, edição de 16/03/1936, ocasião em que ele declara
para a posteridade como criou a sua Luta Regional. É entretanto
profundamente lastimável que o Prof. Sérgio tenha ignorado a existência
de tal documento em seu trabalho de mestrado, empobrecendo-o
historicamente, uma vez que se trata de informações valiosíssimas sobre
a origem da Luta Regional Bahiana prestadas por seu criador, bem como de
outras sobre a não adoção do berimbau e pandeiro em competições e do
critério adotado para a contagem de pontos durante a realização de
lutas.
Vejamos agora as observações entre
parênteses feitas pelo referido Professor, sobre a segunda parte da
primeira declaração do Mestre Bimba, constante de sua Nota Oficial
(ANEXO 4), como se segue: “...e isto se poderá constatar em outros
centros mais adiantados onde a Capoeira assume aspectos de sensação e
cartaz” “(Me. Bimba declara o não uso do berimbau na luta e promove
outras cidades mais adiantadas em Capoeira no Brasil).”
COMENTÁRIO:
Quanto ao não uso do berimbau durante
a luta, já tratamos anteriormente. A respeito da promoção por Bimba
de outras cidades mais adiantadas em Capoeira no Brasil (o grifo é
meu), existe uma interpretação gramatical incoerente do Prof. Sérgio
sobre o texto original. A interpretação mansa e pacífica das palavras
de Bimba quando falou em centros mais adiantados onde a Capoeira assume
aspectos de sensação e cartaz, é a de que ele se referiu pura e
simplesmente a centros urbanos mais desenvolvidos onde a capoeira assume
aspectos de sensação e cartaz, e não – absolutamente não –, como
quer em sua “invencionice” o Prof. Sérgio: “cidades mais
adiantadas em capoeira no Brasil” (o grifo é meu).
SEGUNDA DECLARAÇÃO DE
BIMBA, CONSTANTE DA
NOTA OFICIAL (ANEXO 4):
“A polícia regulamentará essas
exibições de capoeira, de acordo com a obra de Annibal Burlamaqui (Zuma),
editada no Rio de Janeiro em 1928” “(aparece em Salvador uma influência
do trabalho de Zuma, um ano antes da oficialização da chamada “Luta
Regional”)”.
COMENTÁRIO:
Examinemos agora a análise feita acima
entre parênteses pelo Prof. Sérgio sobre a declaração supra de Mestre
Bimba. Para isto, basta relermos a entrevista de Bimba publicada no jornal
“A TARDE”, de 16/03/1936 (ANEXO 3), ignorada lamentavelmente pelo
Prof. Sérgio em seu trabalho de mestrado, como já dito anteriormente, e
verificaremos que, decorridos três (3) dias da realização da entrevista
concedida ao jornal Diário da Bahia, em 13/03/1936 (ANEXO 2), Mestre
Bimba não se referiu mais à regulamentação pela polícia das demonstrações
de capoeira de acordo com a obra de Burlamaqui. Observem que em suas
declarações (ANEXO 2) Bimba não sugere nem pede a adoção das regras
do método de Burlamaqui. Ele (Bimba) presta apenas uma informação. Vale
salientar que as normas para a realização de lutas eram traçadas pela
Direção do Parque Odeon, segundo declarações de um ex-aluno de Bimba,
Manoel Rozendo, no último parágrafo da publicação constante do ANEXO
2.
A informação transmitida pelo Mestre
Bimba (ANEXO 2), sobre a regulamentação pela polícia das demonstrações
de capoeira de acordo com a obra de Burlamaqui, jamais se concretizou,
conforme pode ser comprovado pela leitura dos jornais da época, em
Salvador/Bahia. Isto prova que realmente a Luta Regional Bahiana, do
Mestre Bimba, não sofreu em tempo algum qualquer influência da obra do
ilustre Mestre Burlamaqui, como apregoa com inconsistência o Prof. Sérgio.
Bimba, como já dissemos mais de uma
vez, em sua entrevista a “A TARDE” de 16/03/1936 (ANEXO 3), além de
explicitar como criou sua Luta Regional, dá outras informações úteis,
inclusive sobre como são contados os pontos para os resultados das lutas,
ou seja, a adoção do método simples e consagrado no mundo antigo do
boxe, de atribuir valores numéricos para os golpes aplicados que
porventura atinjam os lutadores.
Dizer que o método de Annibal
Burlamaqui não era conhecido por ninguém na Bahia na década de 30 seria
uma desavergonhada mentira, mesmo porque a cidade de Salvador não era uma
aldeia...
Mestre Decanio,
o mais antigo aluno do Mestre Bimba ainda vivo e atuante, e que com ele
conviveu desde 1938, participando ativamente da fase do aperfeiçoamento
da Luta Regional Bahiana, contou-me que Cisnando, seu grande amigo e alma
gêmea, médico como ele, e que colaborou intensivamente com Bimba na criação
da Regional, possuía o Método de Annibal Burlamaqui. Entretanto, nada
deste método foi utilizado por eles (Cisnando/Bimba) durante a criação
da referida luta.
E isto é fácil de ser comprovado.
Bimba nasceu em 1900 (existe uma outra certidão de nascimento de 1899.
Raciocinemos com a de 1900...). Ele começou a aprender Capoeira Angola
aos doze anos, com o africano Bentinho, capitão da Cia. de Navegação
Bahiana, conforme se acha explicitado às fls. 15 do livro “A SAGA DO
MESTRE BIMBA”, da autoria do Mestre Itapoan.
E a ensiná-la a partir de 1918, conforme suas declarações na publicação
constante do ANEXO 3 do presente trabalho.
Por volta de 1930, conheceu um estudante
de medicina, cearense, CISNANDO, conhecedor profundo de jiu-jitsu, boxe
e luta greco-romana, ao qual ensinou Capoeira. Deste relacionamento começaram
a nascer os primeiros entendimentos para a criação da Luta Regional Bahiana.
Segundo declarações de Mestre DECANIO (amigo íntimo e contemporâneo de
Cisnando), apesar de este apresentar ao Mestre os golpes e contragolpes
das lutas supracitadas, a decisão final da conveniência ou não da inclusão
dos mesmos na Luta Regional sempre foi do Mestre Bimba.
Vale salientar que o método do Mestre
Burlamaqui foi editado no Rio de Janeiro em 1928 e provavelmente chegou à
Bahia com Cisnando por volta de 1930, quando Bimba já possuía 18 anos de
prática e ensino da Capoeira Angola (seis anos por haver começado a
aprendê-la em 1912 mais doze anos por ter começado a ensiná-la em
1918). Achava-se, por conseguinte, completamente familiarizado havia
bastante tempo com todos os procedimentos daquela Capoeira (ANEXO 3 deste
trabalho).
Mestre Bimba possuía um temperamento
bastante belicoso. Era sem sombra de dúvida o melhor capoeirista do seu
tempo na Bahia. Sonhava com uma Capoeira bem mais impetuosa, voltada
exclusivamente para o estilo defesa pessoal.
Assim sendo, modificou a Capoeira
Angola, retirando dela alguns golpes e introduzindo outros inclusive por
ele criados. Introduziu golpes de outras lutas, tais como o boxe, o
jiu-jitsu, a greco-romana e o batuque (luta africana), bem como a cintura
desprezada e seus balões. Criou uma seqüência genial de ensino mediante
a qual são desferidos com vigor golpes e contragolpes oriundos de um
gingado manhoso, obedecendo rigorosamente a cadência imprimida pelos
toques do berimbau.
E mais, legou a seu modo à sua Luta
Regional excepcional dose de malícia, da qual era um exímio possuidor.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS:
Quero deixar bem explícito aqui que em
nenhum momento tive a intenção de menosprezar o trabalho realizado pelo
ilustre Mestre BURLAMAQUI. Considero seu método uma colaboração inestimável
e altamente patriótica para a preservação de nossa Capoeira. Constam do
seu método: história, considerações sobre os esportes, métodos e
regras, golpes e contragolpes, exercícios e requisitos para a
aprendizagem de sua Ginástica Nacional (capoeiragem).
Sua ação para organizar e publicar o
seu Método no ano de 1928, época na qual a Capoeira achava-se proscrita
por lei em todo o território nacional, retrata muito bem a nobreza do seu
patriotismo e de sua coragem indômita.
A fim de que o leitor possa se familiarizar
mais um pouco com o seu Método, transcrevo no ANEXO 5 mais algumas regras
e procedimentos do seu valoroso trabalho.
Cumpre-me ressaltar que me ative a
contraditar a entrevista “NEM SÓ DE BIMBA É A REGIONAL”, sem poder
identificar o seu verdadeiro autor, uma vez que o Prof. Sérgio nega em
sua NOTA OFICIAL (ANEXO 4) haver concedido a entrevista supracitada na
forma publicada, acusando-a de conter infundadas e inverídicas afirmações.
Lamento profundamente que o referido
professor não tenha usado o cargo que ocupa no mundo da capoeira para
defender uma das maiores figuras da capoeira nacional, o consagrado Mestre
Bimba, ao deixar de enumerar de forma cristalina por intermédio de uma
revista ou mesmo uma NOTA OFICIAL de sua Confederação quais são as
infundadas e inverídicas afirmações assacadas contra a memória do
Mestre Bimba constantes da referida entrevista.
Fez, isto sim, em sua NOTA OFICIAL
(ANEXO 4) e em seu trabalho de mestrado, referido mais acima neste trabalho,
considerações infundadas e inverídicas, tentando provar de maneira fantasiosa
a influência do método de BURLAMAQUI sobre o de Mestre Bimba, por mim
contraditadas.
Finalmente, acredito que, atentando
para as informações contidas no texto do presente trabalho, o leitor
perceberá de pronto que a Luta Regional Bahiana, do Mestre Bimba, jamais
sofreu durante a sua criação qualquer influência do método do ilustre
Mestre Burlamaqui.
São José dos Campos, 21 de abril de 2002.
Esdras Magalhães dos Santos (Mestre Damião)
RG: 38336-Maer
OBS.: Este trabalho somente poderá ser reproduzido para fins didáticos
e sem objetivos comerciais.
ANEXOS:
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Passo a
transcrever ipsis literis o texto dos ANEXOS 2, 3, 4 E 5, para
maior comodidade dos leitores.
ANEXO 2 –
DIÁRIO DA BAHIA – 13/MARÇO/1936:
Manchete:
O TÍTULO MÁXIMO DA CAPOEIRA BAHIANA
Subtítulo:
Bimba refuta as allegações de Samuel de Souza e promptifica-se a luctar
pela posse da almejada faixa
Esteve hontem em nossa redacção o
conhecido capoeirista bahiano Manoel dos Reis Machado, vulgarmente
conhecido por Bimba.
Falando sobre o actual movimento d’aquelle
ramo de lucta, genuinamente nacional, uma vez que differe bastante da
capoeira d’Angola, o conhecido campeão referiu-se a uma nota divulgada
por um confrade matutino em que apparecia a figura do sr. Samuel de Souza.
De Bimba, de referência aos tópicos
publicados, ouvimos:
“ – Não me abracei ao título
de campeão, como se este fosse propriedade minha, entretanto, penso que
mais merecidamente ficará elle commigo que com o meu companheiro de
esporte, Maré, uma vez que pelos jornaes desafiei a todos os capoeiristas
deste Estado e somente subiu o “ring” o valoroso adversário Henrique
Bahia, que consegui derrotar ante numerosa assistência.
Maré, como merecedor do título máximo,
deveria apparecer naquella epocha e não agora em noticiário posterior.
Resta porem esclarecer o seguinte:
– A capoeira d’Angola apenas poderá servir para demonstrações
rithmadas e não para lucta em que a força caracterisará a violência, e
a agilidade a Victoria.
Ao som do berimbau e o pandeiro não
podem medir forças dois capoeiras que tentem a posse de uma faixa de
campeão, e isto se poderá constatar em centros mais adiantados, onde a
capoeira assume aspecto de sensação e cartaz.
A polícia regulamentará estas
demonstrações de capoeira de accordo com a obra de Annibal Burlamaqui, (Zuma)
editada em 1928 no Rio de Janeiro.
Se o meu futuro adversário pretende
demonstrar as suas aptidões ao som do berimbau e do pandeiro, aqui estou,
disposto a mostrar que não soube apenas ampliar aquelle methodo de diversão.
Ainda está no espírito público a “lucta” de capoeira d’Angola
disputada por Henrique Bahia e Américo “Suissa”. O povo e a imprensa
foram unânimes em reprovar tal comedia. O título bahiano, no duro, só
poderá ser disputado de maneira diversa e para este é que volto a
desafiar o proclamado campeão Maré.
Quanto ao sr. Samuel de Souza, fica
ao seu inteiro dispôr uma lucta ou uma demonstração, para que o povo
que tanto nos conhece não seja ludibriado”.
Antes de deixar a nossa redacção
Bimba apresentou-nos um seu discípulo Manoel Rozendo de Sant’Anna,
que aproveitou para lançar de público um desafio ao sr. Samuel Souza
para uma lucta pelas normas traçadas pela direcção do Parque Odeon,
conforme se tem verificado.
____________________________________________________
ANEXO 3 –
A TARDE – BAHIA, SEGUNDA-FEIRA,
16 DE MARÇO
DE 1936:
Manchete: “MESTRE
BIMBA”, “CAMPEÃO DA CAPOEIRA” DESAFIA TODOS OS LUCTADORES BAHIANOS
A “capoeira”, esporte exótico, mas
interessante, com seu nostálgico, mas sagaz e atilado, de golpes felinos,
ultimamente está sendo praticada na Bahia com manifesto interesse geral.
Até há pouco tempo não era tão cobiçado
o curioso espectaculo. De certa época a esta parte, entretanto, a
“capoeira” está sendo apreciada com enthusiasmo, fazendo parte, como
números obrigados, de festivaes esportivos.
Há dias, noticiando uma dessas exhibições,
pedimos ao seu campeão, o mais conhecido delles, uma explicação ao
publico, por isso que muita gente não entende patavina dos segredos dessa
arte singular de ataque e defeza.
Foi por isso que, attendendo ao
nosso appel’o, Mestre Bimba (seu nome é Manoel dos Reis Machado) esteve
hontem nesta redacção. Vinha dar-nos as explicações pedidas. E estas são,
sem dúvida, muito interessantes.
Disse-nos elle, pois:
– Há dezoito annos que ensino
capoeiragem. Adaptei vários golpes á chamada capoeira de Angola,
praticada por meu mestre, o africano Bentinho. Os golpes do jogo de Angola
são estes: meia lua de frente, meia lua de compasso (rabo de arraia),
meia lua armada, aú pela direita e pela esquerda, cabeçada, chibata,
rasteira, raspa, tesoura fechada, balão, leque, encruzilhada, calcanheira,
encruzilhada e deslocamento. Destes golpes – proseguiu Mestre Bimba –
retirei dois: encruzilhada e deslocamento. E accrescentei os seguintes:
vingativa, banda traçada, balão em pé, balão arqueado, balão
“colar” de força, cintura desprezada, cintura de rins, gravata
cinturada, tesoura aberta, a benção, salta pescoço, sopapo, galopante,
godeme, cotovello e dentinho.
Para evitar enganos e más interpretações
e no intuito de tornar os encontros de capoeiragem mais interessantes e
mais violentos, todos os golpes e ???? de capoeiragem entrarão em jogo.
Os adversários poderão se apresentar com os golpes que conhecerem. Fica
assim lançado o desafio aos que praticam
ou conhecem a capoeiragem, como também a qualquer outro luctador
(jiu-jitsu etc.). O que quizerem. Eu os enfrentarei com minha capoeira!
–
E há golpes prohibidos na capoeira? – perguntamos-lhe.
– Em
verdade não deveria existir golpes prohibidos em capoeira, porque é uma
lucta instinctiva. Mas como se trata de um assalto cortez, serão
considerados golpes prohibidos: dedo nos olhos, pancada nos órgãos
sexuaes, dentada e puxamento de cabellos.
A capoeira Angola não é para ser
praticada em ring, mas com pandeiro e berimbáo, porque todos os golpes
obedecem, por dizel-o, aos sons desses instrumentos.
Ainda no dia 18 houve, no Parque Odeon,
a exhibição entre Bahia e Américo Sciencia, sem decisão. Por que:
Simplesmente: capoeira Angola, com os golpes determinados ou regulados
pelo berimbáo e pelo pandeiro. Mas a verdadeira capoeira é aquella com
que a gente se defende e enfrenta o inimigo! Pois então, em qualquer
logar, sou atacado e vou esperar pelo berimbáo para reagir? Nem berimbáo
nem pandeiro! A coisa tem que virar mesmo...
–
E sua lucta, naquelle parque, com Zéy?
– Sahi
vencedor por 15 pontos contra 2 e não como foi noticiado. Esses pontos são
assim contados: cabeçada no aú (derrubada), 3; cabeçada no aú (attingida),
1; cabeçada derrubada, 2; cabeçada attingida, 1; meia lua e armada na
face, 1; meia lua e armada attingida, 1; calcanheira, 1; tesoura
derrubada, 2; tesoura attingida, 1; balão açoitado, 2; balão arqueado,
2; colar de força, ?; Fiz uma cabeçada no aú (atting.), uma cabeçada
attingida, uma meia lua e armada na face, duas meia luas e armada
attingida, duas tesouras attingidas, um balão açoitado e um colar de força.
Zéy fez apenas uma meia lua e armada attingida e uma tesoura atingida.
E mestre
Bimba, acompanhado de seu manager, deixou a redacção. Teem os leitores,
pois, uma preciosa explicação da capoeira e, ao mesmo tempo, fica lançado
o desafio do campeão bahiano aos demais lutadores.
________________________________________________________________
ANEXO 4
CONFEDERAÇÃO
BRASILEIRA DE CAPOEIRA
NOTA
OFICIAL
DE 24/05/1999:
A Confederação Brasileira de Capoeira, vem pelo presente,
comunicar a todos os Presidentes de Federações, Ligas, Grupos,
Entidades de Prática, a todos os praticantes de Capoeira, e ao público
em geral, que em a matéria da REVISTA MUNDO CAPOEIRA, intitulada “NEM
SÓ DE BIMBA É A REGIONAL”, não condiz, conforme poderá ser
constatado, na Tese de Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais
(Antropologia), intitulada CAPOEIRA: MATRIZ CULTURAL PARA UMA EDUCAÇÃO
FÍSICA BRASILEIRA de autoria de seu Presidente Prof. Sérgio Luiz de
Souza Vieira, pela PUC/SP – 1977, e cujos exemplares se encontram nas
principais universidades brasileiras.
Lamentavelmente, os responsáveis
pela referida matéria, sob o pretexto de darem uma “redação jornalística”
para o texto científico, mudaram o texto original, fazendo infundadas e
inverídicas afirmações, inclusive através das sensacionalistas
chamadas do referido artigo.
Na realidade, a Tese faz uma revisão
de literatura dos autores que defendiam a Capoeira como uma prática
desportiva, desde meados de 1860, demonstrando que a Capoeira já era
aceita socialmente e até pela polícia, como a LUTA BRASILEIRA já a
partir de 1908, passando por Annibal Burlamaqui, no Rio de Janeiro, em
1928, que foi o primeiro autor a apresentar uma codificação
desportiva, com uma nomenclatura ilustrada de golpes, contragolpes, critérios
de arbitragem, formação de árbitros, processos pedagógicos para
aprendizagem e aspectos históricos. Para a época este trabalho foi um
avanço fantástico, a ponto do JORNAL DIÁRIO DA BAHIA, em sua edição
de 13/03/36, ao trazer na página de esportes uma entrevista com Mestre
Bimba, cujo Título da matéria (sic) foi: “Bimba refuta as alegações
de Samuel Souza e prontifica-se a lutar pela faixa”, trazendo ainda
uma chamada ilustrada com sua foto, sob o título: “Bimba, que nos fez
interessantes declarações”, ele dá o seguinte depoimento: “...ao
som do berimbau e do pandeiro, não podem medir forças dois
capoeiristas que tentem a posse de uma faixa de campeão, e isto se
poderá constatar em outros centros mais adiantados onde a Capoeira
assume aspectos de sensação e cartaz” (Me. Bimba declara o não
uso do berimbau na luta e promove outras cidades mais adiantadas em
Capoeira no Brasil). Mais adiante ainda temos: “A polícia
regulamentará estas exibições de capoeiras, de acordo com a obra de
Annibal Burlamaqui (Zuma), editada no Rio de Janeiro em 1928” (aparece
em Salvador uma influência do trabalho de Zuma, um ano antes da
oficialização da chamada “Luta Regional”). Ocorre que se Mestre
Bimba tivesse obtido a oficialização de sua academia na Bahia, não
com o nome de “Luta Regional”, mas sim com o nome de “Luta
Brasileira”, hoje a História da Capoeira seria outra,
principalmente após o depoimento de Me. Pastinha, em seu disco, quando
afirma “Pastinha já foi à África ... foi mostrar a Capoeira do
Brasil”.
Todavia, em virtude das absurdas
distorções e inverdades da matéria da Revista Mundo Capoeira,
publicando ainda uma produção científica e utilizado fotos do autor
para fins comerciais, sem que obtivesse autorização para ambas situações,
remetemos á mesma um telegrama (em anexo) e estaremos tomando medidas
judiciais contra a Revista para a reparação e indenização em
virtude destes erros absurdos.
Guarulhos,
SP, 24 de maio de 1999.
_______________________________
Prof. Sergio
Luiz Vieira de Souza Vieira
Antropólogo
e Prof. Educação Física
Presidente
TENDO
EM VISTA INFUNDADAS E SENSACIONALISTAS DISTORÇÕES NA MATÉRIA
“NEM
SÓ DE BIMBA É A REGIONAL” DA PRIMEIRA EDIÇÃO DESTA REVISTA
VENHO
PELO PRESENTE ESTABELECER O PRAZO DE 48 HORAS APÓS O
RECEBIMENTO
PARA CONFIRMAÇÃO POR ESCRITO DO EDITOR RESPONSÁVEL
CONCEDENDO
O MESMO ESPAÇO NA PRÓXIMA
EDIÇÃO PARA O DIREITO DE
RETIFICAÇÃO
DA MATÉRIA. APÓS ESTE PERÍODO SEM TAL CONCEÇÃO ENTRAREI
COM
MEDIDAS JUDICIAIS CONTRA OS RESPONSÁVEIS PELA REVISTA. NÃO
AUTORIZEI
A PUBLICAÇÃO DE MINHA PRODUÇÃO CIENTÍFICA NEM A EXPLORAÇÃO
COMERCIAL
DE MINHA IMAGEM. ATENCIOSAMENTE
SÉRGIO
LUIZ DE SOUZA VIEIRA.
____________________________________________________
ANEXO 5
NOTA DO
AUTOR DESTE TRABALHO (MESTRE DAMIÃO):
Acham-se transcritos neste ANEXO regras e procedimentos que regem
a prática do método do Mestre ANNIBAL BURLAMAQUI.
Apellidei
este methodo, puramente meu, de “ZUMA”, não só porque Zuma é a
quarta parte do meu segundo nome, como também porque uma feliz coincidência
faça com que se perceba nitidamente a letra Z no centro do campo de
luta que adoptei para o meu método de capoeiragem, differenciando-o dos
campos de sports communs.
Primeiramente idealisei um campo de luta onde, com espaço
suficiente, se pudesse realisar a GYMNASTICA BRASILEIRA.
Este campo é simples e de uma fácil
comprehensão, eil-o:
Como vemos, o campo é uma circumferencia e interiormente nota-se
a letra Z, feita por linhas e pontos (I e II, a parte superior do Z; II
e III, uma linha inclinada que sae da parte superior do Z até tocar na
linha da circumferencia pequena (interior da circumferencia grande); Iª
e IIª, a parte inferior do Z; IIª e IIIª, uma outra linha inclinada
que sae da parte inferior do Z até tocar a linha da circumferencia
pequena (interior da circumferencia grande).
Fiz este campo, não com intuito de
embellezar o jogo da capoeiragem, mas para facilitar a apresentação
dos jogadores (capoeiras); porque, pensei, se o foot ball tem o seu
campo, o Box e a luta-greco-romana têm a apresentação dos lutadores,
está claro que a capoeiragem também a possa ter.
DIMENSÕES
DO Z
A linha de I a II terá 2 metros e a
de II a III terá mais 2 metros (total, 4 metros – mínimo de dimensão).
A linha de Iª a IIª terá 2 metros
e a de IIª a IIIª terá mais 2 metros (total, 4 metros – mínimo de
dimensão).
Estas dimensões podem variar a mais,
conforme a combinação dos lutadores (capoeiras).
DIMENSÕES
DO CÍRCULO GRANDE E PEQUENO
O raio da circumferencia grande terá
4 metros.
O raio da circumferencia pequena terá
50 centímetros.
Sabendo-se que o raio da
circumferencia grande tem 4 metros, o diâmetro terá 8 metros.
O diâmetro da circumferencia pequena
terá 1 metro.
Estas não são as dimensões fixas,
porquanto podem variar conforme a vontade dos lutadores (capoeiras).
APRESENTAÇÃO
DOS LUTADORES
Os lutadores ficarão em posições
opostas, isto é, um ficará no ponto I e o outro no ponto Iº, nesta
ocasião o juiz dará a sahida (este, nesta ocasião, deve estar no meio
do raio da circumferencia grande) e, então, os lutadores pularão ao
mesmo tempo, isto é, o que estiver no ponto I pulará ao ponto II e,
descendo (pulando) ao ponto III (linha da circumferencia pequena); o que
estiver no ponto Iº fará o mesmo que o companheiro de luta, isto é,
pulando do ponto Iº ao IIº e finalmente ao IIIº (linha da
circumferencia pequena).
Nota importante: – A pequena
circumferencia que se vê no interior da circumferencia maior foi feita
para o início da luta.
Os jogadores depois de chegarem a
linha da circumferencia pequena, enfrentar-se-ão, issto é, formarão o
pulo ou ainda cahirão em guarda (Ver figura abaixo).
Não será obrigatória a apresentação
todas as vezes depois dos descanços, porém aconselho aos amadores
executal-a sempre para a bôa ordem da luta.
EMPATE E
DESEMPATE
Os tempos de luta serão de 3
minutos, no fim dos quaes haverá o descanço.
O descanço será de 2 minutos, salvo
nos casos extraordinários.
O tempo total não poderá passar de
uma hora (salvo se houve empate na luta anterior).
No caso de empate a luta seguinte será
augmentada de meia hora de tempo, tendo, porém, os mesmos 2 minutos de
descanço nos intervalos de trez minutos de luta.
Se ainda no desempate não houver
vencedor a luta seguinte será à morte, isto é, só terminará quando
houver um vencedor, e não terá descanço.
Haverá empate quando não houver
queda mortal, isto é, quando os jogadores se conservarem firmes até
findar o tempo total (quando digo firmes não quero dizer que os
jogadores deixem de levar quedas e sim emquanto se conservarem dispostos
à luta.
Haverá victoria quando um dos capoeiras levar uma queda
desastrosa e se conservar cahido até o juiz contar dez vezes em voz
alta, e, então será proclamado vencedor aquelle que fez cahir o adversário
(dentro do círculo).
Haverá ainda victoria, se por
ventura assim combinarem os capoeiras (jogadores), quando for de trato a
luta em pontos, isto é, quando um dos capoeiras levar mais quedas (nos
limites do tempo de luta), será então proclamado vencedor aquelle que
fez o adversário cahir mais vezes.
Quando houver esta combinação a
luta tornar-se-á bella, porque os capoeiras dobrarão de agilidade e
destreza, pois aquelle que possuir mais agilidade terá mais
probabilidade de ser o vencedor.
Os capoeiras (jogadores) se, por
acaso, sahirem do círculo o juiz apitará e os fará voltar ao centro
da circumferencia, apitando novamente afim de recomeçar a luta.
O JUIZ
(I)
O juiz deve ser uma pessoa conhecida pelos 2 jogadores da
capoeiragem.
(II)
O juiz será uma pessoa reconhecidamente competente e imparcial.
(III)
O juiz tem pleno poder para tomar decisões por violação das
regras commettidas dentro ou fora dos limites do campo (circumferencia),
desde o início do jogo até o fim.
(IV)
O juiz deve descontar o tempo perdido por motivo de accidente ou
outra qualquer causa.
(V)
O juiz determinará o descanço apitando uma vez e determinará o
final da luta apitando duas vezes.
(VI)
O juiz apitará também no caso dos jogadores sahirem dos limites
da circumferencia, fazendo-os recomeçar a luta no centro do campo.
O CAMPO
(I)
O campo de capoeiragem poderá ser de preferência n’um campo
de foot ball, pois, estes campos de sports se adaptam
extraordinariamente bem à capoeiragem, porque as grammas amortecem as
quedas e não contêm poeira.
(II)
Tanto as circumferencias como todos os pontos do Z devem ser
demarcados por linhas bem visíveis, tendo pelo menos quatro centímetros
de largura, sendo aconselhável o uso da cal para essas marcações.
TRAVES E
BOTÕES DAS BOTINAS
(I)
Os jogadores não podem usar nas botinas pregos salientes, chapas
de metal etc. No emtanto poderão usar nas solas das botinas barras
transversaes de borrachas ou rosetas de borrachas uma vez que não
salientem mais de cinco millimetros e as botinas serão enfiadas por
cordões e não poderão ter botões ou cousa semelhante.
(II)
As botinas poderão ter as solas completamente de borrachas.
(III)
Para a boa ordem da luta os capoeiras (lutadores) deverão usar
botinas e não sapatos que poderão sahir no decorrer da luta.
OS GOLPES
Os golpes na capoeiragem são muitos
e somente praticando-os, com trenos regulares, firmes e constantes, é
que os poderemos aprender conscientemente. Os principais são:
A
RASTEIRA
O ESCORÃO
O RABO DE
ARRAIA
O PENTEAR OU PENEIRAR
O CORTA
CAPIM
O TOMBO DE LADEIRA OU CALÇO
A CABEÇADA
O ARRASTÃO
O FACÃO
O TRANCO
A BANDA
DE FRENTE
A CHINCHA
O RAPA
A XULIPA
O BAHÚ
A BANDA AMARRADA
A
THESOURA
A BANDA JOGADA
A BAHIANA
A BANDA FORÇADA
O DOURADO
O ME ESQUECE
A
QUEIXADA (do autor)
O VOO DO MORCEGO
O PASSO
DE CEGONHA (do autor) A ESPADA (do autor)
A
ENCRUZILHADA
O SUICÍDIO
A GUARDA:
A primeira posição da capoeiragem
é a guarda. A guarda é característica, é essencial, indispensável
em toda a sua integridade ao exercício da tão perseguida e tão útil
gymnastica.
É por essa bellica attitude que se
começa a aprendizagem da capoeiragem:
Preparar! Attenção! Em guarda!
Leva-se à riba o corpo, num aprumo
natural, em attitude nobre e erecta, oitava-se à direita ou à
esquerda. Tira-se a perna à retaguarda. Guardada a linha, dobram-se os
joelhos, cahindo, porem, naturalmente a perna dianteira, fixando-se o
tronco firmemente, sobre a retaguarda, descansando todo o peso do corpo
sobre a perna de traz. O peito, amplamente para a frente do adversário,
como querendo impellil-o para traz. Os dedos, em linhas quebradas e
separadas entre si. Os dentes cerrados. A cabeça bem emquadrada sobre
os hombros. Os olhos fixos, nos do adversário. Ergam-se depois os
calcanhares no momento da acção, agüentando-se o peso do corpo na
ponta dos pés.
Eis ahi a guarda. Eis no seu conjunto
a primeira posição, nobre e leal, da rainha das gymnasticas nacionaes,
com a qual, armados e defendidos por uma perfeita e boa intelligencia,
poderemos accommeter os demônios.
O PENTEAR
OU PENEIRAR
Joga-se
os braços e o corpo em todos os sentidos em ginga, de modo a perturbar
a attenção do adversario e preparar melhor o golpe decisivo.
OBSERVAÇÃO
DO AUTOR DESTE TRABALHO (M. Damião):
Trata-se de algo como um gingado.
_______________________________________________________________
Neste último ANEXO, estamos
brindando os leitores com a gravura de um belo “furdunço” entre
capoeiras ocorrido no Rio de Janeiro, no final do século XVIII,
publicada em uma revista da época, onde se pode ver a eficiência de
uma rasteira (estilo corta-capim) anulando completamente a pontaria de
um tiro de revólver...
Fonte:http://www.capoeiradobrasil.com.br/liga_2.htm
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