ZUMBI
O
MESTRE DA RESISTÊNCIA
“Zumbi,
comandante-guerreiro/Ogum-iê, ferreiro mor,
capitão/Da
capitania da minha cabeça/Mandai alforria pro meu
coração”
Gilberto
Gil & Walid Salomão,
Zumbi,
a felicidade guerreira
Mãe
áfrica mãe angola
Zumbi
se foi mais deixou
Nos
sangue do capoeira
Um
grito que ecoa por toda minha alma
Um
grito de raça forte, raça guerreira
Na
mandinga de um negro velho
E
meu grito de liberdade
E
o axé da capoeira
(Jair
ribeiro )
Na
língua dos negros, 'quilombo' significava povoação, capital,
união;
no Brasil, teve por significado local de refúgio. Os quilombos
eram
divididos em aldeias de nome mocambo. Seus integrantes eram
chamados
quilombolas, calhambolas, mocambeiros.
Zumbi
nasceu no quilombo de Palmares por volta de 1655.
Décadas
antes do seu nascimento este quilombo havia sido fundado por
um
grupo de escravos fugidos de um engenho no sul de Pernambuco.
Localizado
bem no alto de uma serra, onde estão hoje situadas partes
dos Estados
de Alagoas e Pernambuco, de lá era possível a visão
privilegiada
das imediações.
Herói
do povo afro-brasileiro, coube a Zumbi liderar a gente do
quilombo
num momento decisivo da luta contra os escravistas,
empenhados
em sufocar a semente da liberdade que teimava por
crescer
no solo brasileiro.
A
história daquele que seria o Zumbi começa quando um grupo
de
expedicionários liderados por um comandante chamado Brás da
Rocha
ataca Palmares, no ano de 1655, levando um recém-nascido,
entre
os adultos capturados. A criança foi entregue ao chefe da coluna
atacante,
que por sua vez resolveu fazer um presente ao padre Melo,
cura
de Porto Calvo. O religioso decidiu chamá-lo Francisco. O garoto
aprendeu
a língua latina, o português e dando mostras da inteligência.
A
grande batalha do chefe guerreiro Zumbi, zelando dia e noite
pela
segurança do seu povo e lutando para que não fosse extinto o ideal
de se
formarem comunidades onde conviviam negros, índios e brancos,
começou
ao completar quinze anos, em 1670. Nesse ano Francisco
fugiu
do padre Melo e voltou para Palmares. Livre desde que nasceu,
deixou
para trás uma vida muito diferente daquela que iria levar.
Quando
Francisco voltou a Palmares, o quilombo havia se
transformado
numa fortaleza. Segundo estudos recentes, dez mil
pessoas,
aproximadamente, viviam no local Eram negros fugidos,
mulheres
capturadas, além de índios e brancos que se escondiam da
justiça
colonial portuguesa. Plantava-se de tudo para o sustento da
população
quilombola: feijão, milho, mandioca, cana-de-açúcar, batata.
E
muitos desses artigos eram comercializados clandestinamente com as
cidades
vizinhas, pobres em gêneros alimentícios porque se dedicavam
a uma
única cultura: o plantio da cana-de-açúcar, base da economia de
exportação
predominante nessa época.
O
quilombo de Palmares era uma pequena África onde os negros
procuravam
resgatar suas raízes, inclusive abandonando os nomes
recebidos
dos escravistas e trocando por outros de origem africana. À
frente
desse povoado estava Ganga Zumba e nas pequenas aldeias
lideravam
chefes locais.
Ao
retornar a Palmares, Francisco, com seus quinze anos, passou
a ser
Zumbi. Vale lembrar que o Deus principal de Camarões e do
Congo
é chamado Nzambi;
em Angola denominavam Zambi o
que
morreu;
e no Caribe, Zumbis são
mortos-vivos, criaturas que mesmo no
além
jamais descansam.
Em
Palmares foi livremente constituída sua família - pai, irmãos,
tias e
tios. O principal dentre seus parentes: Ganga Zumba. Pouco
depois
de retornar ao quilombo, Zumbi já era chefe de um desses
mocambos
e defendia a região com imensa habilidade.
Palmares
sofreu diversas investidas durante quase cem anos.
Quando
os holandeses invadiram o Brasil, por volta de 1624, esses
ataques
diminuíram muito: os colonos lusitanos estavam mais
preocupados
em defender o território das ameaças externas. Foi nessa
época
que o Quilombo mais se desenvolveu. Entretanto, após a
expulsão
holandesa em 1654, uma verdadeira campanha contra
Palmares
se fez surgir. Dezessete expedições organizadas por vilas
próximas,
bem como pelo próprio governo de Pernambuco,
embrenharam-se
pela mata para derrubar os palmarinos.
Em
1677, um tal Fernão Carrilho, exímio caçador de negros
entrou
em ação. Marchando contra Palmares com seus combatentes,
Carrilho
conseguiu derrubar alguns chefes de mocambos e matar vários
quilombolas.
Neste ataque, Ganga Zumba foi ferido, mas ainda assim
conseguiu
fugir. Em decorrência disso, foi levado a aceitar um tratado
de paz
proposto pelo governador de Pernambuco em que se prometia
liberdade
apenas aos nascidos no Quilombo.
Aos 23
anos, Zumbi rejeitou a paz dos escravistas, paz que
garantia
sua liberdade - pois nascera em Palmares. Desmoralizado por
aceitar
a proposta, Ganga Zumba viu-se diante de uma operação dos
quilombolas
organizados para depô-lo, sob a liderança de Zumbi, que
neesse
contexto tornou-se o líder maior do quilombo. Ganga Zumba
desistiu
de tudo, partiu para Cacaú, ao sul de Pernambuco, onde viria a
morrer
envenenado pouco tempo depois. Acredita-se que tenha sido
morto
por enviados de Zumbi.
Zumbi
assumiu o posto de chefe maior e reorganizou toda a
estrutura
de Palmares. Preparou seus homens para os combates que
estavam
por vir. Durante esse período, o governador de Pernambuco e a
própria
Coroa procuraram negociar, garantindo vida ao líder e a seus
familiares,
caso aceitasse a rendição. Zumbi preferiu lutar a entregar
seu
povo: sua dignidade não tinha preço.
Os senhores
de engenho não aceitavam as perdas de escravos,
mercadorias
muito valiosas; o governo colonial não suportava mais
tanta
derrota. Foi quando surgiu a idéia de contratar os bandeirantes
paulistas,
conhecidos por serem grandes desbravadores e verdadeiros
assassinos.
Na
guerra contra Zumbi e o povo de Palmares o sistema
escravista
pretendia varrer da memória coletiva até a lembrança da
existência
de possibilidades reais das populações oprimidas
construírem
uma alternativa à estrutura social baseada na exploração
do
trabalho forçado. O combatente que representava os civilizados
escravagistas:
Domingos Jorge Velho.
Sobre
este paulista, encarregado de destruir Palmares, escreveu
em
1697 um seu contemporâneo, o Bispo de Pernambuco: “Este homem
é um
dos maiores selvagens com que tenho topado... tendo sido sua
vida,
desde que teve razão - se é que teve, de sorte a perdeu tanto que
entendo
não a achará com facilidade - até o presente, andar pelos
matos
à caça dos índios, e de índias, estas para o exercício das suas
torpezas
e aqueles para o granjeio de seus interesses.”
Após
uma primeira derrota, Domingos Jorge Velho iria travar a
batalha
definitiva no ano de 1694. Antes de completar 25 anos de vida,
Zumbi
se recusou a desistir de lutar pela liberdade sem adjetivos,
concessões
ou condições: combateria até o fim.
Apesar
de toda a violência e da selvageria dos prepostos do
sistema
colonial, não foi possível derrotar o símbolo do heroísmo do
povo
brasileiro. Após muitos anos de luta os escravistas não
conseguiram
submeter a alma dos resistentes. Cada guerreiro morto em
defesa
do direito à liberdade é um exemplo de que só existimos na
plenitude
quando somos livres. E morrer nessa luta significa dar a vida
pela
própria vida.
Símbolo
da resistência à dominação, Zumbi dos Palmares é
referência
legada tanto às gerações africanas trazidas ao Brasil quanto
aos
seus descendentes afro-brasileiros. Mestre na luta pela liberdade,
seu
vulto se confunde com o caminho para a consciência do povo
brasileiro.
“Minha
espada espalha o sol da guerra
Rompe
mato, varre céus e terra
a
felicidade do negro é uma felicidade guerreira
Do
maracatu, do maculelê e do moleque bamba
Minha
espada espalha o sol da guerra
Meu
quilombo incandescendo a serra
Taliqual
o leque, o sapateado do mestre-escola de samba
Tombo
da ladeira, rabo de arraia, fogo de liamba...”
Acompanhado
de um grupo considerável de combatentes
fortemente
armados, Domingos Jorge Velho se lançou em direção à
Cerca
Real do Macaco, onde se encontravam Zumbi e todo o seu
exército.
Grande foi sua surpresa ao encontrar o esquema de defesa
montado
pelos quilombolas. Muros gigantescos de pedra e madeira
formavam
três fileiras, seguidas logo após por buracos camuflados com
estacas
pontiagudas em seu interior. Em seguida, uma outra muralha
mais
comprida, contava com guaritas que abrigavam atiradores.
Amedrontado,
Jorge Velho mandou buscar canhões de Recife e
construiu,
paralelamente à muralha de Zumbi, uma outra muralha. O
ataque
foi fatal. O grande chefe dos quilombolas foi apanhado de
surpresa
pelo descuido de um sentinela. Muitos morreram combatendo
ou se
suicidaram; outros tentaram fugir pelo lado esquerdo da Cerca
Real,
onde havia enorme precipício. Zumbi foi um dos que conseguiu
sobreviver
à matança, mas Palmares foi inteiramente destruída.
Zumbi
comandou seus guerreiros e venceu inúmeras batalhas
empregando
com talento as técnicas da guerra de guerrilhas. No
combate
em posição fixa encontrou o fracasso. Perdeu o domínio da
Serra
da Barriga, onde se estabeleceram - entre disputas e conflitos
pessoais
- os vencedores: bandeirantes, militares e "homens de bem" de
Pernambuco
e Alagoas. Só restava uma alternativa: retornar à
estratégia
da guerra do mato. Eram cerca de mil homens. Os guerreiros
foram
divididos em dois bandos e foi confiada a chefia de um dos
grupos
a um companheiro chamado Antônio Soares, que sofreu uma
emboscada.
Soares foi preso e enviado sob forte escolta para Recife.
Nesse
trajeto a escolta se encontrou com uma bandeira, chefiada
por
André Furtado. Soares foi seqüestrado e por longo tempo sofreu
violentas
torturas aplicadas por seus captores: queriam que revelasse
onde
era o esconderijo de Zumbi. Como não obtinha êxito, Furtado
mudou
de tática: garantia sua vida e liberdade se cooperasse. Deu
certo.
Soares era da confiança de Zumbi. Foram em sua procura, e
quando
Zumbi se preparava para abraçar o companheiro, foi
surpreendido:
Soares cravou-lhe uma faca na barriga.
Nos
olhos de Zumbi deve ter surgido então um outro brilho: de
tristeza
e desencanto. Dos seis guerreiros que o acompanhavam, a
fuzilaria
que saía do mato ao redor derrubou cinco, de imediato. Ferido
e
sozinho, lutou até o último momento: matou um dos atacantes e feriu
outros.
Amanhecia o dia 20 de novembro de 1695.
Zumbi
foi esfaqueado, baleado e mutilado, tendo seu pênis
decepado
e enfiado em sua boca. Era um homem magro, pequeno e
coxo;
muito diferente da imagem construída a seu respeito. Seu corpo
foi reconhecido
pelo padre Antônio Melo, o mesmo que batizara o
pequenino
Francisco. Segundo o padre, algumas vezes Zumbi desceu a
Porto
Calvo para visitar seu antigo tutor e numa dessas visitas o
guerreiro
já estava com a perna afetada por um ferimento sofrido em
combate.
A
violência contra Zumbi não parou aí: sua cabeça foi cortada,
mergulhada
em sal e mandada para Recife, com a finalidade de ser vista
pelo
povo que o considerava imortal. Mas isso de nada disso foi
suficiente
para impedir que renascesse num mito: sua coragem, sua
força
se tornaram eternas para os que continuaram resistindo contra a
escravidão.
Assim é que nos muitos quilombos que se formaram pelo
Brasil
nos séculos seguintes e para os que hoje relembram a sua
história
de luta, Zumbi permanece vivo na lição de resistência.
De
forma exemplar, Zumbi encarna os horrores do escravismo.
Zumbi
permanece vivo na lição de resistência e é - para sempre! - um
cadáver
insepulto, um morto vivo. Sua lembrança sobreviverá aos
tempos
que nos obrigam a sonhar, à historiografia oficial que insiste em
ignorar
sua real importância. Permanecerá como símbolo das
atrocidades
infindáveis do poder ilimitado, arbitrário, prepotente.
Ficará,
acima de tudo, como exemplo a todos que resistem à opressão e
lutam
por liberdade e justiça.
“Em
cada estalo, em todo estopim, no pó do motim
Em
cada intervalo de guerra sem fim
Eu
canto, eu canto, eu canto assim
A felicidade do negro é uma
felicidade guerreira...
Fonte: Livro A
Arte da Capoeira
Autor: Camille Adorno
Autor: Camille Adorno
Temos muito mais a falar sobre zumbi, mais por enquanto é so Axé para todos, em breve postaremos mais sobre nosso heroi ganga zumba ogum ie camara.