
"Desenho de Sales, de 1942, que tenta reconstruir o embate entre duas maltas cariocas no final dos 1800s."
A capoeira vai ter sua presença registrada como grupos de
sócio-fronteiras, a partir de meados do século XIX, tanto no Rio de
Janeiro como no Recife.
No Rio, ela se apresentou organizada em verdadeiras confrarias denominadas Maltas. Seus nomes variavam conforme a freguesia em se organizavam (espaços de sócio- fronteiras). A partir da década de 50 do século XIX se consolidam as mudanças: ampliação do espaço para atividade secundária e terciária, juntamente com o crescimento de segmentos livres, e com ele a ‘viração’. Essa ampliação de espaço deu oportunidade também à constituição de um mercado onde se ofereciam e compravam ‘experiências’, assim como já ocorria com o jogo da força de trabalho. Essas experiências adquiridas no cotidiano da viração e da vadiagem, ganharam um valor de troca. Assim, as habilidades da capoeiragem passaram a ser compradas pelo jogo político partidário.
A capoeira a serviço de liberais e conservadores foi um eficiente instrumento de pressão no processo eleitoral (DIAS, 1993: 127). Por vezes os poderes se misturavam, como vemos neste comentário de cronista da Revista Ilustrada, 1878, n.º 124:
A capoeiragem foi se afastando de sua condição original de prática urbana de resistência negra, assumindo um papel de ameaça à população e à ordem pública, fato legitimador da violenta repressão sofrida pela capoeira durante os primeiros anos da República.
Entre 1850-1900 -, as maltas cariocas absorveram os escravos e libertos crioulos (nascidos no Brasil) - os escravos creoulos eram uns 30% em 1850, os livres eram 60% em 1881; os estrangeiros eram 22% em 1885; pardos e mestiços, imigrantes portugueses pobres - os engajados -, os malandros vindos do Porto e de Lisboa - os fadistas -, brancos brasileiros pobres e de outras classes sociais, militares, policiais, jovens estroínas ricos e violentos da jeunesse dorée carioca - os elegantes cordões - e seus equivalentes portugueses - os marialvas -, marinheiros brasileiros e de muitas outras nacionalidades - muitos deles, desertores -, estrangeiros das mais diversas nacionalidades - em 1891, p.ex., Moyses Corull, um negro norte-americano residente à rua da Saúde, foi preso por estar em "exercícios de capoeiragem" (SOARES, 1994, p.134).
A influência dos portugueses fadistas - os malandros e valentes de Portugal - foi grande nas Maltas, já vinham "formados" de grandes centros como Porto e Lisboa. O fadista português não apenas se adaptou, como influenciou o mundo da capoeira carioca. Seu maior legado foi a navalha - que já era cobiçada no início dos 1800s, mas não ainda como o emblema da capoeira por excelência -, um símbolo da "Mouraria lisboeta". Mestre Jair Moura nos explica em “Evolução, apogeu e declínio da capoeiragem no Rio de Janeiro, 1985”:
Além do Santo-Cristo - a navalha de ponta dos fadistas da mouraria lisboeta -, temos de lembrar que o jogo de pau era extremamante popular em Portugal; e não esquecer que os bastões, porretes e bengalas - algumas especiais, como a Petrópolis -, era parte importante e básico no arsenal do capoeira (e também do mundo marginal carioca de 1850-1900).
As maltas de capoeira cariocas como a do Recife nos 1800s, foi fruto de uma opção política e vivencial, referenciada numa experiência social e cultural, alimentada pela vontade de participar em processos culturais e políticos, e levada a cabo com uma maneira de agir, lúcida, inteligente, malandra.
Quase todos os verdadeiros capoeiras foram do serviço de altos personagens políticos, e tudo o que fizeram foi contando com a proteção desses personagens, ou por mando deles. Serviram em todas as situações e a todos os governos da Monarquia.
No Rio - ao contrário da Bahia -, contrariando as afirmações de muitos "puristas" que reclamam do "embranquecimento (recente, das últimas décadas) da capoeira", a capoeira foi miscigenada quase que nos seus primórdios. Capoeirista "foi desde a nobreza, com o Barão do Rio Branco, dentre outros, até o negro escravo.
A capoeira vai ter sua presença registrada como grupos de sócio-fronteiras, a partir de meados do século XIX, tanto no Rio de Janeiro como no Recife. No Rio, ela se apresentou organizada em verdadeiras confrarias denominadas Maltas. Seus nomes variavam conforme a freguesia em se organizavam (espaços de sócio- fronteiras). Assim chamava –se de “cadeira da Senhora” a da freguesia do Santana; de “três cachos” a de Santa Rita ou Flor da Uva; a dos “Franciscanos” a do bairro de São Francisco; por “Flor da Gente” era conhecida a Malta Glória; “Espada”, a da Lapa; a de”Monturo”, a de Santa Rita, também conhecida por Lusitanos; a de “São Jorge” ou “Lança”, a do Campo da Aclamação.
As "maltas" eram grupos de vinte e até cem capoeiras (MORAES FILHO, s/d: 28) que tinham nome, gíria e costumes próprios. Embora existissem "amadores", que eram os capoeiristas não ligados a nenhuma malta, representativamente eram as maltas que assombravam a população. Por volta da proclamação da República a cidade estaria praticamente dividida em dois grandes grupos: as nações, nagoas ou "Nogos" e "Guaimums" (SOARES, 1994:40).
No Rio, ela se apresentou organizada em verdadeiras confrarias denominadas Maltas. Seus nomes variavam conforme a freguesia em se organizavam (espaços de sócio- fronteiras). A partir da década de 50 do século XIX se consolidam as mudanças: ampliação do espaço para atividade secundária e terciária, juntamente com o crescimento de segmentos livres, e com ele a ‘viração’. Essa ampliação de espaço deu oportunidade também à constituição de um mercado onde se ofereciam e compravam ‘experiências’, assim como já ocorria com o jogo da força de trabalho. Essas experiências adquiridas no cotidiano da viração e da vadiagem, ganharam um valor de troca. Assim, as habilidades da capoeiragem passaram a ser compradas pelo jogo político partidário.
A capoeira a serviço de liberais e conservadores foi um eficiente instrumento de pressão no processo eleitoral (DIAS, 1993: 127). Por vezes os poderes se misturavam, como vemos neste comentário de cronista da Revista Ilustrada, 1878, n.º 124:
"Acabaram-se as eleições, e a esta hora jazem a um canto o sabre do urbano e o cacete do capoeira, os dois reguladores da soberania nacional."
A capoeiragem foi se afastando de sua condição original de prática urbana de resistência negra, assumindo um papel de ameaça à população e à ordem pública, fato legitimador da violenta repressão sofrida pela capoeira durante os primeiros anos da República.
Entre 1850-1900 -, as maltas cariocas absorveram os escravos e libertos crioulos (nascidos no Brasil) - os escravos creoulos eram uns 30% em 1850, os livres eram 60% em 1881; os estrangeiros eram 22% em 1885; pardos e mestiços, imigrantes portugueses pobres - os engajados -, os malandros vindos do Porto e de Lisboa - os fadistas -, brancos brasileiros pobres e de outras classes sociais, militares, policiais, jovens estroínas ricos e violentos da jeunesse dorée carioca - os elegantes cordões - e seus equivalentes portugueses - os marialvas -, marinheiros brasileiros e de muitas outras nacionalidades - muitos deles, desertores -, estrangeiros das mais diversas nacionalidades - em 1891, p.ex., Moyses Corull, um negro norte-americano residente à rua da Saúde, foi preso por estar em "exercícios de capoeiragem" (SOARES, 1994, p.134).
A influência dos portugueses fadistas - os malandros e valentes de Portugal - foi grande nas Maltas, já vinham "formados" de grandes centros como Porto e Lisboa. O fadista português não apenas se adaptou, como influenciou o mundo da capoeira carioca. Seu maior legado foi a navalha - que já era cobiçada no início dos 1800s, mas não ainda como o emblema da capoeira por excelência -, um símbolo da "Mouraria lisboeta". Mestre Jair Moura nos explica em “Evolução, apogeu e declínio da capoeiragem no Rio de Janeiro, 1985”:
Poucos capoeiras usavam armas de fogo e quase todos davam preferência à navalha, arma traiçoeira que melhor se ajustava ao seu sistema de pugna. Esta temível arma branca, denominada em Portugal de Santo Cristo, companheira inseparável do fadista truculento, agressivo, só podia ser neutralizada, enfrentada, pelo tiro ou a bengala, quando desferido, ou manejada, por um indivíduo dotado de destreza ou habilidade, como acentua o ilustre Ramalho Urtigão... No Brasil, a maioria dos que se exercitava no treinamento da capoeiragem, ajuntaram a navalha do fadista lusitano.
Além do Santo-Cristo - a navalha de ponta dos fadistas da mouraria lisboeta -, temos de lembrar que o jogo de pau era extremamante popular em Portugal; e não esquecer que os bastões, porretes e bengalas - algumas especiais, como a Petrópolis -, era parte importante e básico no arsenal do capoeira (e também do mundo marginal carioca de 1850-1900).
As maltas de capoeira cariocas como a do Recife nos 1800s, foi fruto de uma opção política e vivencial, referenciada numa experiência social e cultural, alimentada pela vontade de participar em processos culturais e políticos, e levada a cabo com uma maneira de agir, lúcida, inteligente, malandra.
Quase todos os verdadeiros capoeiras foram do serviço de altos personagens políticos, e tudo o que fizeram foi contando com a proteção desses personagens, ou por mando deles. Serviram em todas as situações e a todos os governos da Monarquia.
No Rio - ao contrário da Bahia -, contrariando as afirmações de muitos "puristas" que reclamam do "embranquecimento (recente, das últimas décadas) da capoeira", a capoeira foi miscigenada quase que nos seus primórdios. Capoeirista "foi desde a nobreza, com o Barão do Rio Branco, dentre outros, até o negro escravo.
A capoeira vai ter sua presença registrada como grupos de sócio-fronteiras, a partir de meados do século XIX, tanto no Rio de Janeiro como no Recife. No Rio, ela se apresentou organizada em verdadeiras confrarias denominadas Maltas. Seus nomes variavam conforme a freguesia em se organizavam (espaços de sócio- fronteiras). Assim chamava –se de “cadeira da Senhora” a da freguesia do Santana; de “três cachos” a de Santa Rita ou Flor da Uva; a dos “Franciscanos” a do bairro de São Francisco; por “Flor da Gente” era conhecida a Malta Glória; “Espada”, a da Lapa; a de”Monturo”, a de Santa Rita, também conhecida por Lusitanos; a de “São Jorge” ou “Lança”, a do Campo da Aclamação.
As "maltas" eram grupos de vinte e até cem capoeiras (MORAES FILHO, s/d: 28) que tinham nome, gíria e costumes próprios. Embora existissem "amadores", que eram os capoeiristas não ligados a nenhuma malta, representativamente eram as maltas que assombravam a população. Por volta da proclamação da República a cidade estaria praticamente dividida em dois grandes grupos: as nações, nagoas ou "Nogos" e "Guaimums" (SOARES, 1994:40).
Tinham seus sinais característicos e suas saudações típicas. De seu
ritual, faziam parte juramento e preces. Tomavam parte de todas as
manifestações cívicas e festas populares. Eram vistos durante as
paradas, precedidos pelos caxinguelês (aprendizes), gingando à frente
dos batalhões durantes as paradas. Tinham espaços de treinos; os
"ensaios" eram, estrategicamente, "nos domingos de manhã", dia de folga
da escravaria urbana e dos trabalhadores em geral. Já vimos que grande
parte dos capoeiras eram escravos domésticos ou trabalhadores.
O capoeira e jornalista, Plácido de Abreu, nos fala (Os capoeiras, 1886), com conhecimento de causa, do ensino nas maltas dos Guaiamus e Nagoas:
"Há pouco tempo o bando guaiamu costumava ensaiar os noviços no morro do Livramento, no lugar denominado Mangueira. Os ensaios faziam-se regularmente nos domingos de manhã e constavam dos exercícios de cabeça, pé e golpe de navalha e faca. Os capoeiras de mais fama serviam de instrutores. A princípio os golpes eram ensaiados com armas de madeira e por fim serviam-se dos próprios ferros, acontecendo muitas vezes ficar ensanguentado o lugar dos exercícios. Os nagoas faziam os mesmos ensaios, com diferença que o lugar escolhido por eles era a praia do Russel, para os partidos (as maltas) de São José e Lapa, e o morro do Pinto para o de Santana."
Mathias Assunção comenta, em relação à técnica de luta, que, nesta época no Rio de Janeiro, além disto:
" ... havia a combinação de cinco técnicas de luta complementares: cabeçada, chute, taponas (de mão), técnicas de faca e pau. Nenhuma fonte sugere que este tipo de combinação jamais tenha existido na África... a transformação do contexto social inevitavelmente tem impacto nos aspectos formais da prática da capoeira... Até que ponto a capoeira "creolizou-se" (isto é, partindo das raízes africanas tornou-se algo diverso, característico do novo local) pode ser visto, mais ainda, pelas mudanças substanciais que afetaram seu significado cultural e político na segundo metade do século XIX (ASSUNÇÃO, op.cit)"
O capoeira e jornalista, Plácido de Abreu, nos fala (Os capoeiras, 1886), com conhecimento de causa, do ensino nas maltas dos Guaiamus e Nagoas:
"Há pouco tempo o bando guaiamu costumava ensaiar os noviços no morro do Livramento, no lugar denominado Mangueira. Os ensaios faziam-se regularmente nos domingos de manhã e constavam dos exercícios de cabeça, pé e golpe de navalha e faca. Os capoeiras de mais fama serviam de instrutores. A princípio os golpes eram ensaiados com armas de madeira e por fim serviam-se dos próprios ferros, acontecendo muitas vezes ficar ensanguentado o lugar dos exercícios. Os nagoas faziam os mesmos ensaios, com diferença que o lugar escolhido por eles era a praia do Russel, para os partidos (as maltas) de São José e Lapa, e o morro do Pinto para o de Santana."
Mathias Assunção comenta, em relação à técnica de luta, que, nesta época no Rio de Janeiro, além disto:
" ... havia a combinação de cinco técnicas de luta complementares: cabeçada, chute, taponas (de mão), técnicas de faca e pau. Nenhuma fonte sugere que este tipo de combinação jamais tenha existido na África... a transformação do contexto social inevitavelmente tem impacto nos aspectos formais da prática da capoeira... Até que ponto a capoeira "creolizou-se" (isto é, partindo das raízes africanas tornou-se algo diverso, característico do novo local) pode ser visto, mais ainda, pelas mudanças substanciais que afetaram seu significado cultural e político na segundo metade do século XIX (ASSUNÇÃO, op.cit)"
Enquanto os marginais se mantinham ocultos, o capoeira primava pela notoriedade.
As aparições nas festas populares e os feitos de arrogante coragem, destreza corporal e exibicionismo exacerbado - por exemplo, os capoeiras escalavam os muros, paredes e torres das igrejas e cavalgavam os sinos com seus corpos, ariscando a queda e a morte, fazendo-os soar -, fortaleciam o prestígio da capoeira frente a população; prestígio refletido na crescente presença de adolescentes nos "exercícios de capoeiragem" daquela época.
Moraes Filho, em Capoeiragem e capoeiras célebres,У Festas e tradições populares do Brasil, narra :
"Os capoeiras há até quarenta anos passados (cerca 1850) prestavam juramento solene, e o lugar escolhido para isto era a torre das igrejas...no tempo em que os enterramentos se faziam nas igrejas e que as festas religiosas amiudavam-se, as torres enchiam-se de capoeiras, famosos sineiros que, montados nas cabeças dos sinos, acompanhavam toda impulsão dos dobros, abençoando das alturas o povo que os admirava, apinhado na praças e ruas... torres das igrejas - ninhos atroadores dos capoeiras profissionais."
As aparições nas festas populares e os feitos de arrogante coragem, destreza corporal e exibicionismo exacerbado - por exemplo, os capoeiras escalavam os muros, paredes e torres das igrejas e cavalgavam os sinos com seus corpos, ariscando a queda e a morte, fazendo-os soar -, fortaleciam o prestígio da capoeira frente a população; prestígio refletido na crescente presença de adolescentes nos "exercícios de capoeiragem" daquela época.
Moraes Filho, em Capoeiragem e capoeiras célebres,У Festas e tradições populares do Brasil, narra :
"Os capoeiras há até quarenta anos passados (cerca 1850) prestavam juramento solene, e o lugar escolhido para isto era a torre das igrejas...no tempo em que os enterramentos se faziam nas igrejas e que as festas religiosas amiudavam-se, as torres enchiam-se de capoeiras, famosos sineiros que, montados nas cabeças dos sinos, acompanhavam toda impulsão dos dobros, abençoando das alturas o povo que os admirava, apinhado na praças e ruas... torres das igrejas - ninhos atroadores dos capoeiras profissionais."
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