Mestre do Mestre.
Conheça um pouco da historia de "Cobra Mansa" uma das referencias internacionais da Capoeira Angola.
"A capoeira angola precisa de um novo Pastinha"
Por:Marcos Vita

O carioca Cinésio Feliciano Peçanha, o mestre Cobra Mansa, já fez de tudo um pouco,
dentro e fora da capoeira angola. Aos 14 anos, começou a gingar pelas mãos do
mestre Moraes. Ao mesmo tempo, para sobreviver, ganhava as ruas pulando no meio
de um aro de bicicleta com 21 facas ao redor.
Na década de 80, após a morte de Pastinha (1981), foi um dos artífices do processo de
revitalização da capoeira angola na Bahia e de sua propagação pelo mundo. Hoje, aos
40 anos, Cobra Mansa é presidente-fundador da Fundação
Internacional de Capoeira Angola (Fica), que congrega cerca de 500 pessoas em 11
cidades de três países do mundo. Há seis anos radicado em Washington, D.C., (EUA),
onde tem academia, ele volta sempre a Salvador para beber a capoeira na fonte.
"Aqui, troco idéias com meus companheiros. Se ninguém me derrubar na Bahia, não
me derruba em lugar nenhum", diz. "Se eu for derrubado aqui pelas minhas idéias,
começo a repensá-las". Segundo Cobra Mansa, a capoeira angola precisa de uma
liderança forte. "Quem sabe um novo Pastinha?", anseia.
CORREIO Da BAHIA - Há uma eterna contradição na capoeira angola. Mestres
representativos que ficam na Bahia, como João Pequeno de Pastinha (83 anos), não
têm apoio. Enquanto isso, a maior parte dos que vão a outros países encontram o
sucesso. Como resolver esse dilema?
COBRA MANSA - Isso é reflexo do pensamento brasileiro de não dar valor a quem quer
trabalha e se fixar aqui. João Pequeno é um caso típico, como foi mestre Pastinha. O
que a gente faz é levar esses mestres "esquecidos" para lá e pagar por isso.
Arrecadamos US$1 mil para João Pequeno, certa vez. Por outro lado, isso não ajuda
em nada. O governo e a sociedade brasileira é que deveriam reconhecer esses mestres
e dar um espaço digno para eles. O que nós, mestres radicados lá fora, podemos fazer
é incentivar as visitas dos nossos alunos estrangeiros à Bahia. Será que a nossa função
é sustentar João Pequeno? Ou esse seria o papel de um órgão daqui pelo trabalho que
ele vem desenvolvendo durante esse longo intervalo de tempo? Será que ele não
merece um espaço digno de desenvolver o trabalho? São coisas que temos que nos
perguntar.
CB - Mas não existe uma outra forma mais perene de resolver essa contradição?
Talvez uma mobilização dos capoeiristas como se fez na década de 80...
CM - O que falta na capoeira angola hoje se chama liderança. A realidade é que existe
uma dispersão e um egocentrismo muito grandes dentro de cada capoeirista
atualmente. As pessoas estão muito mais voltadas para o seu próprio trabalho do que
para a capoeira angola como um todo. Isso tem, em parte, a ver com a própria
sociedade atual. A gente está copiando a sociedade americana. Enquanto eu estou lá
nos Estados Unidos buscando mudar a mentalidade dos meus alunos do individualismo
para o coletivismo - que é uma característica da capoeira -, o pessoal aqui do Brasil
está mudando do coletivismo para o individualismo. A gente está copiando um modelo
falido.
CB - Por que há carência de líderes?
CM - A capoeira está dividida! Temos que criar um movimento forte com uma liderança
confiável. Mas o próprio Brasil de hoje carece de lideranças. A capoeira é um
microcosmo da sociedade e está sofrendo dos mesmos males. Gostaria até de ficar um
pouco mais na Bahia para juntar mais as pessoas e tentar resolver esse dilema.
Infelizmente, tenho as minhas coisas também para resolver.
CB- Indo para o exterior, os mestres não estão contribuindo para o enfraquecimento
da raiz da capoeira na Bahia?
CM - Todo ser humano chega a um ponto em que começa a repensar toda a sua
ideologia. A necessidade passa a ser tão grande que ele quer dar uma chance a si
mesmo. Tem pessoas que não saem da Bahia só por ideologia, mas pela própria
condição de vida. Têm família, filhos. Elas colocam a ideologia com isso e dizem que
não vale a pena sair. No meu caso, valia a pena. Agora, com o dinheiro ganho lá fora,
estamos ajudando a manter um grupo aqui também. Não é coisa inocente, mas
consciente. Não é paternalismo, existe uma troca.
CB - Qual o balanço que o Sr. faz do que aconteceu da década de 80 - quando houve o
movimento pela revitalização da capoeira - para cá?
CM -É positivo. Eu sou otimista com a capoeira. Acho que valeu a pena todo aquele
sacrifício. Embora o João Pequeno e outros mestres estejam nessa situação hoje, eles
estão num patamar melhor do que estariam se não tivesse acontecido esse
movimento. Mestres como João Grande se estabilizaram. Mas isso não é o ideal. O
problema é que estamos nos acomodando em cima desse pouco. Quando, na verdade,
temos que conquistar muito mais. Ao mesmo tempo, vejo que os capoeiristas de hoje
acreditam neles mesmos, têm um orgulho maior. Isso é um ponto positivo que vai
levar a uma terceira geração mais consciente e mobilizada.
CB - Não há uma necessidade mais urgente de mobilização?
CM - Já era para ter acontecido. Há ainda individualismo e acomodação. Isso cria uma
inércia. Essa mobilização deve acontecer da base dos capoeiristas para cima. Não é
questão de estabelecer leis. Temos que tomar uma decisão. Se não for agora, o barco
vai afundar. Mas existe um movimento nos subterrâneos da capoeira que a galera
nova está fazendo para valorizar o pessoal mais antigo. Um sinal disso é a mobilização
em torno do lançamento do disco do mestre João Pequeno (organizado por discípulos e
simpatizantes do mestre no último dia 6 de janeiro).
CB - Quais os desafios para a união?
CM - São dois: que o movimento se concretize e que surja uma liderança. Falta um
novo Pastinha. Mas é um movimento de ciclo. Para mim, a capoeira é um pequeno
mundo. O planeta já teve Gandhy, Malcom X e hoje não existe uma liderança assim.
Acontece o mesmo com a capoeira.
CB - A divisão entre as capoeiras angola e regional contribui para isso?
CM - Pelo contrário. Isso faz com que as pessoas se dividam, mas se unam entre si. O
movimento que existe na regional é também encampado pela angola. Há uma pequena
competição individual, mas a gente está sempre trocando idéias.
CB - Qual o segredo do sucesso da capoeira no mundo?
CM - Há várias razões. Primeiro, a capoeira é uma luta de libertação. Ela se transforma
numa espécie de válvula de escape para uma sociedade global tão oprimida e
competitiva como a de hoje. O cara que fica o dia inteiro preso num escritório chega
na roda de capoeira e se solta mesmo, fica à vontade, canta e dança. Isso é um
trunfo, sobretudo nos países desenvolvidos, onde a sociedade vive mais esse clima de
competição selvagem. Na roda de capoeira há a competição, mas há alegria também.
Coloca a pessoa para cima. Outro aspecto é o ritmo da capoeira, que é completamente
diferente. O som fascina qualquer pessoa e a torna capaz de fazer parte daquilo.
CB - A valorização da cultura negra também é mola propulsora?
CM - A cultura negra está hoje num patamar em que já deveria estar há muito tempo.
O mundo começa a perceber que o Brasil conservou muito dessa cultura. O país está
em alta lá fora, pelo menos culturalmente. Estão enxergando a nossa cultura com mais
seriedade. O capoeirista tem uma postura mais digna, não precisa se enfeitar todo
com estereótipos.
CB -O que causa a saída em massa de mestres da capoeira para fora da Bahia?
CM - Há uma falta de incentivo aqui no Brasil para a fixação do mestre. Você quer
fazer um evento de capoeira e tem que ficar pedindo para mostrar a nossa cultura
para o povo. Chega a um ponto em que você cansa. Além disso, ainda existe
preconceito contra o capoeirista. Apesar de estar bem melhor em comparação com a
década de 60, ainda existe essa discriminação. Ainda se pensa a capoeira como coisa
de vagabundo.
CB - Falta também o apoio das embaixadas lá fora?
CM - Elas usam o nome da gente, mas quando precisamos, dizem que não têm
recurso. Eles dão valor a uma cultura brasileira mais europeizada. Quando se fala em
cultura afro-brasileira, eles não dão valor. Eles sabem que nós, mesmo sem apoio, nos
viramos e fazemos.
CB - O que influencia o mestre na hora de deixar tudo para trás?
CM - É a vontade de fazer uma coisa nova, já que batalhamos muito aqui e não
ganhamos o reconhecimento. São várias conseqüências. Há um desafio, uma aventura
em sair do país. Algumas pessoas conseguem vencer e outras não. Há também
aqueles que apaixonam as gringas e são levados para fora. Esses são os chamados
"mestres da Varig" (risos). O cara ganha o título dentro do avião. Sai daqui aluno e a
Varig dá o bilhete dele de mestre.
CB - Isso reflete a banalização da figura do mestre na capoeira angola atual?
CM - Mas esse é um fenômeno que também existe entre os médicos, advogados,
jornalistas... Existe uma banalização de qualquer atividade que esteja em alta.
CB - A diferença é que a capoeira não tem uma regulamentação específica a protegêla?
CM - Sim, mas tem uma coisa bem pior: o respeito pelo mestre. O capoeirista pode
chegar no mundo todo e dizer que é mestre, mas quando chega na Bahia ou no Rio,
com alunos estrangeiros, os mestres locais o ignoram. Tratam com indiferença. Esse é
um código de honra da capoeira. Se o cara chega aqui na Bahia e não tem respeito
nem consideração, a imagem dele cai. É por isso que tem muita gente que nem vem,
com medo. Isso é uma desmoralização das piores para um capoeirista.
CB - Quais as conseqüências da internacionalização?
CM - Isso é grave porque nós ficamos com uma nata bem fina da capoeira e os
estrangeiros com a nata grossa e de maior valor.
CB -Não há uma perda de identidade por conta disso?
CM -Há essa possibilidade. Mas o que já está acontecendo é que muitos mestres estão
ficando lá um tempo e voltam aqui para tentar manter um grupo. A gente também não
quer que o pessoal fique só lá. Queremos que todos venham aqui para aprender na
raiz. A Bahia é a meca da capoeira no mundo. Tem que vir aqui pelo menos uma vez
por ano. A outra conseqüência é essa banalização. Muita gente vai sem capacidade e
acaba deturpando a imagem da capoeira. Isso é uma conseqüência muito grave e deve
ser observada por nós, capoeiristas. Isso contribuiu para a perda da identidade e para
a banalização da cultura.
CB -Há uma relutância por parte dos mestres em chamar a capoeira de esporte. Por
que?
CM - O esporte, por si só, não tem identidade. Esporte é geral. A cultura é coisa do
povo, tem uma identidade e uma história. Queremos manter esse caráter. Se nós
mantermos a capoeira como cultura, a identidade afro-brasileira dela vai continuar
sempre. O capoeirista sempre vai ter que voltar para a base histórica. É essa base que
vai manter a capoeira angola. Ela pode ir à China e será ensinada culturalmente. É o
que costumo mostrar para os meus alunos estrangeiros: quando você pisar dentro
desse espaço, você está pisando num território completamente diferente. Respeito sua
cultura, mas você vai ter que aprender a minha.
Fonte:http://angolario.wordpress.com/2012/10/31/entrevista-mestre-cobra-mansa/
Para os novos alunos que talvez não teve a oportunidade
de saber, Cobra Mansa foi Mestre do Mestre Guerreiro, a capoeira que os Filhos
de Nzambi pratica deve muito a influencia deste renomado mestre.
Velho, só pra disser que ainda agradecido por vocé curtir da minha foto (a primeira), sería bom que vocé desse o crédito. Nao é tao dificil assim. Boa sorte.
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